Começa hoje mais uma Batalha de Escritores. Mas antes anunciarei o ganhador primeira batalha.
Com 69% dos votos, a Fancielle Santana, escritora do conto Entre Dragões é a vencedora da primeira etapa.
Agora vamos conhecer os segundos competidores dessa batalha que tem chamo a atenção de muitas pessoas, tanto para conhecer o blog, quanto para ler os contos maravilhosos desses incríveis escritores, que se disponibilizaram para participar dessa "brincadeirinha". Uma forma de descontração e um modo de mostrar que eles podem sair de sua zona de conforto e mostrar que são capazes de se superar.
As guerreiras dessa semana são:
Não se esqueça de votar em seu conto favorito. Desfrutem dos contos dessa semana.
Conto de: Bianca Todt
Título: Na Floresta Gênero: Ficção Científica
Perfil no Wattpad: Bia Todt
“Não sou pra todos. Gosto muito do meu mundinho. Ele é cheio
de surpresas, palavras soltas e cores misturadas. Às vezes tem um céu
azul, outras tempestade. Lá dentro cabem sonhos de todos os tamanhos.
Mas não cabe muita gente. Todas as pessoas que estão dentro dele não estão por
acaso. São necessárias.”
Caio Fernando Abreu
Certa vez
quando moça um monge muito sábio haveria dito que o caminho de cada pessoa
viva já nos havia sido construído há mais tempo que as estrelas que
residem no céu, somos uma carta pequena em um grande castelo de baralho
onde nosso papel haveria de ser respeitada, a mais insignificante carta
tirada de seu lugar resultaria na destruição de todo o conjunto, somos uma
pirâmide e dependemos de todos os nossos alicerces. Devemos descobrir que
embora o nosso caminho esteja feito, somos nós que traçamos a rota em que
iremos seguir.
A mulher
perdida em pensamentos andava com passos ruidosos em meio a clareira de
Lótus, as botas grandes de Narciza eram pesadas e firmes o suficiente para
que a mulher se cabelos castanhos secos e embaraçados andasse
tranquilamente pelo lamaçal. Apertando a mochila de tecido marrom contra o
corpo enquanto os pequenos Dracos se agarravam na calça de couro surrada
da mulher, Narciza sequer se reocupava com os besouros de cauda de lagarto que
se enroscaram nela, sua atenção era toda dedicada à bolsa que permanecia
firme em seus braços.
As
árvores se fechavam por trás de Narciza enquanto a mulher avançava
com pressa, um grupo de Mariposas zuniu ao longe despertando Narciza de
sua inocência, ela sabia o que significavam os zunidos e que eles sempre pressagiavam
uma única coisa. A mulher com experiência se agachou sobre a lama e passou por
um grande grupo de canibais que trotavam pela lama, sentados no lombo de
Xillins, os cavalos com cabeça de leão e couraça de ouro deixavam uma
trilha luminosa no chão. Onde seus pés tocavam as árvores demoravam um
pouco mais para fecharem, como que venerando o solo sagrado de um Deus. A
mulher não poderia culpar as árvores, a visão dos Xillins fazia ela mesma
entrar em êxtase.
Levantando
completamente imunda, a mulher torceu os cabelos castanhos tirando um pouco da
lama, enquanto ouvia a distância os canibais se afastando. Narciza mais uma vez
se agarrou a simples bolsa amarronzada, o objeto fora um presente de seu
falecido marido Dalton, na época a bolsa de Narciza ainda era bege e seu
companheiro sempre estava junto em sua jornada de 31 de dezembro.
Narciza
caminhou até que seus pés não tocavam mais a lama e sim uma grama fofa,
aos poucos os pequenos Dracos soltaram a perna da mulher voltando para o
lamaçal das Flores de Lótus. Narciza teria que adentrar a clareira dos
Macacos para chegar em casa, olhando para cima confirmou que ela ainda
estava em tempo, a lua ainda pequenina no céu estava longe, dando para o lugar
um brilho muito fraco, quase insuficiente, porém o bastante para que
Narciza pudesse enxergar o que procurava, perto de um grande carvalho
jazia ali quatro Mandrágoras medianas, haviam rumores que ele era o
fruto do Diabo mas a mulher jamais ligou, o que ele fazia por ela não
poderia ser obra satânica nem em um milhão de anos.
A
floresta observava a mulher com certa desconfiança e curiosidade enquanto
Narciza se ajoelhava em frente às mandrágoras, segurou firme o caule de
uma com as duas mãos e puxou, ela subiu, porém a mandrágora gritou, e
gritou tão alto que os macacos das arvores acabaram em uma algazarra tremenda.
Narciza
entrou em desespero, ela precisava muito de todas as quatro mandrágoras
e nada a poderia impedir, com certa experiência agarrou as outras
três mandrágoras enquanto se preparava para correr. Mais gritos, a mulher
jogou tudo na bolsa e começou correr.
O peito
ofegante da mulher estava empapado de suor, cansada Narciza se recostou em uma
pedra Jade grande, mais de três metros de altura e quatro de largura, a grande
pedra firme no mesmo lugar sempre a fazia lembrar que não vivia mais na
terra. Se acostumar a tamanha primitividade do lugar não foi nenhum pouco
fácil, porem viver sem a cobiça acabou tornando tudo mais fácil para
Narciza, e quando menos esperou já estava se sentindo em casa.
Levantando
ainda trêmula a mulher de cinquenta e dois anos amaldiçoava baixinho as suas
costas doloridas, com as pernas ainda sem muita firmeza caminhou
lentamente por um lindo bosque de borboletas. Tolkien era um planeta muito
majestoso que esbanjava riqueza, às vezes Tolkien era a única coisa que
dava forças para Narciza.
As duas
luas no céu quase alinhadas fizeram o coração da mulher disparar, era quase na
hora e ela precisava estar em casa, pegando forças do mais fundo de si
mesma Narciza firmou suas pernas e começou a correr em disparada, seu desespero
era palpável no ar e desta vez ninguém a interrompeu nem mesmo um animal
sequer rompeu o seu caminho. A mulher correu até chegar em frente
a um enorme riacho coberto de relva e algumas Vitórias Regias, a visão de
tal coisa tão perto fez Narciza perder o fôlego, ela respirou fundo três
vezes enquanto mentalmente contava quantas Lótus, mandrágoras e algumas
ervas medicinais ela havia conquistado, deveria dar, a mulher caminhou
pesado com as suas botas e entrou em um simples bote de madeira.
A madeira
velha rangeu baixinho para então aguentar a nova carga, deixando a bolsa no
chão do bote a mulher pegou um remo em cada mão, com braçadas longas e
com força Narciza não conseguia conter a sua animação, trinta e um de
dezembro era um dia importante demais para ela.
Logo depois
de muito esforço Narciza chegou em frente a uma casa de madeira muito alta
e simples, sem nenhuma pintura ou artigo feminino, seu falecido marido
havia feito toda a construção simples e esperta, a única coisa que Narciza
havia pedido para o falecido Gião era que construísse uma enorme varanda
que rodeasse toda a casa, ela sabia que nunca iria receber visitas em sua
casa, não haveriam vizinhos enxeridos nem amigas para fofocar sobre os
problemas com os maridos porém com a visão da grande Tolkien e sua antiga
maquina de tirar fotos a visão da varanda pronta fez Narciza chorar.
Com um nó de pescador bem apertado a mulher prendeu
seu barco em um pilar do píer, depois de verificar que estava devidamente
presa Narciza passou a mochila por suas costas e içou seu corpo
rapidamente para a superfície da madeira, não havia tempo, então mais uma
vez a mulher correu, subindo as escadas de dois em dois e foi até o topo.
Entrou de vagar vendo a luz fraquinha na sala, a vela quase derretida
emitia uma luz fraquinha no meio de toda a cera derretida, Narciza foi até
a mesa da cozinha acender uma nova vela, pegou a mochila de suas costas e
abriu o zíper, com cuidado despejou todo o conteúdo na mesa de jantar, as
mandrágoras agora em silêncio não fizeram barulho algum. Ao caírem na mesa a
própria visão delas o alcançou, um garotinho de cinco anos morto dentro de
um caixão todo de vidro prostrado no meio da sala.
O
coração de Narciza se apertou em seu peito até ficar espremido do tamanho
de uma ervilha, engolindo as lagrimas a mulher observou o corpo rígido e
azulado de seu filho. Desviando o olhar a mulher foi até a cozinha, em uma
alta prateleira de cerejeira Narciza pegou uma tigela funda de barro,
a segurou firme enquanto pegava um jarro de vidro com água benta, na mesa
novamente a mulher a olhou com carinho para o filho.
Dentro da
travessa jogou todas as flores de Lótus e começou a espremer com um pilão
pequeno de sua bisavó, Narciza bateu e esmagou a flor até que a pequenina
não passasse de uma gosma dourada, aproveitando a cor jogou todo o vidro
de água benta na mistura junto com as ervas. Tudo se mesclava, por seguida
foram às mandrágoras, grandes e adormecidas a mulher as picou em pequenos
pecadinhos e as jogou na bacia para as esmagar com o pilão, de dourada a
mistura ficou um laranja reluzente, fogo, o perfume da flor se espalhava
por todo o casebre enchendo a mulher de boas esperanças, sorrindo Narciza
pegou o punhal de prata e passou dolorosamente pela palma de sua mão, observou
o sangue escorrer e se derramar no unguento, cada gota que caia na mistura
espalhava uma fumaça rosa lhe mostrando que era o tempo certo.
Com o
unguento nas mãos a mãe idosa correu até o caixão e abriu a tampa com as
mãos tremulas. O menino ainda cheirava a infância, roupas velhas e sono.
Ela sorriu enquanto deixava a mistura no criado mudo, estendendo os braços
fortes a mãe aconchegou o seu filho no colo e por um momento a mulher se
permitiu derramar uma lagrima. Com todo o cuidado Narciza tirou a roupa de
seu filho, nu em seu colo e o beijou a testa de Fenício, o menino não
sorriu ou mostrou qualquer emoção, seu corpinho morto repousava o sono da
morte nos braços de sua mãe.
A mesma
pegou uma esponja macia e a banhou no liquido avermelhado com nuances de
laranja reluzente, o liquido era jogado no corpo pequenino de Fenício com
muito cuidado, nenhuma parte ficou de fora, Narciza colocou o corpo de Fenício
na varanda para que fosse banhado pelo luar.
Demorou
um longo minuto para que enfim as luas se alinhassem, e então começou, o
corpo antes azulado e sem vida de Fenício brilhou em um dourado vivo, sua
luz iluminou toda a floresta por um segundo, não demorou muito para a mãe
orgulhosa ouvir a risada gostosa de seu filho, e ali, naquela sala
de madeira gelada e com suas mãos tremulas Narciza soube, que seu
esforço sempre valeria a pena, uma cabeça pequena de olhos azuis apareceu
na porta com seu rosto sapeca, os cachinhos dourados do menino balançavam
com a sua animação.
— Mamãe, eu estou com muita fome. – sua voz
angelical esquentou o coração da mãe guerreira, a mulher muda de nascença
sorriu para o filho pequenino, o chamou com gestou e foi até a cozinha.
Cheia de
amor a mãe observou o filho comer a grandes garfadas o mingau que ela havia
preparado, Fenício estava tão feliz que seu sorriso rasgava as bochechas,
comeu até limpar toda a panela de sua mãe, satisfeito o menino olhou pela
janela e viu que a lua começava a deslizar pelas nuvens, com o olhar
pesado ele olhou para sua mãe abraçando apertado a sua cintura, com
o rostinho pequeno escondido na barriga da mãe o garoto sussurrou um
baixinho “Eu te amo”, e então saiu pela porta da frente abrindo suas grandes
asas.
Enquanto
Fenício voava para o alto, mergulhando no grande céu, cada vez mais alto,
mesmo a muitos metros de altura ainda dava-se para ouvir as gargalhadas do
menino, Fenício voou ate que a lua finalmente fosse embora, então o corpo
do menino pássaro entrou em chamas, as labaredas de fogo devorando cada
pedaço de Fenício com fome, até que não restou nada além de um corpo
rígido e azulado caindo pela imensidão. A mãe na varanda chorava desconsolada,
pois não importaria quantas vezes teria que vivenciar a mesma cena ela
nunca haveria de ser mais fácil, o menino novamente morto caiu em uma rede
ao lado da casa, a mãe o puxou e o segurou firme contra seu coração, levou
até o sofá e novamente o banhou, agora com água limpa, colocou roupinhas
limpas e o deitou em sua cama de vidro.
Ao longe
a tribo dos canibais comentava da aparição novamente da suposta Fênix, a
ave de fogo que sempre renascia das cinzas simbolizando o renascimento da
sorte daquela tribo indígena, aquela lenda seria repassada por todas as
gerações. E naquele ano que iniciava, regada às lagrimas dolorosas da
perda de uma mãe, mais flores de Lótus de abriram.
Conto de: Beatriz Helena
Título: Sacrilégio Gênero: Terror
Perfil no Wattpad: Beatriz Helena
Dia 15 de Junho, mais conhecido na
família Rodrigues como aniversário da
vovó. Calma. Preciso respirar fundo, afinal é apenas um dia, preciso
aguentar só um dia. Passo o ano fugindo, vivendo minha vida nova e quase
esquecendo que um dia já estive em outro lugar e em outra situação, até que
Junho chega como uma ancora presa em minha pele, me puxando para onde menos
quero estar.
Como
sempre, minha avó, Custódia, me recebeu com um sorriso e um abraço, já entre
mim, minha irmã e nossa mãe, apenas um seco Boa
Noite foi dito. Ambas possuem o mesmo cabelo preto que eu, assim como os
olhos, Elena e Eu nos parecemos muito com nossa mãe, e possuo apenas algumas ondas
em minhas mechas, o que me diferencia um pouco. Agora, a mesa de jantar, o
clima parece pesar ainda mais.
—
Então, Elena – vovó começa a falar, claramente tentando tornar o ambiente mais
agradável – Como anda aquele seu projeto?
—
Ah sim – ela larga seu talher, assumindo uma postura ereta, como se fosse
superior – Em fevereiro começarei, está tudo certo com o acampamento. Esses
jovens precisarão de um lugar onde se esconder desse inferno.
—
Eles deveriam fugir de você – murmuro apenas para mim, mas sinto seu olhar me
atingindo, o que mostra que todas escutaram.
—
E você, Isadora? – minha mãe, Paula, fala meu nome com certa ênfase, como
sempre faz em sinal de advertência. Não será uma boa conversa.
—
Faculdade – respondo – O mesmo de sempre – dou de ombros e enfio o garfo na
boca, fazendo-me de indiferente.
—
Imagino que já esteja terminando – ela insinuou.
—
Me atrasei uma cadeira – a interrompo, falando como se dona Paula já não
soubesse.
—
Sabia que algo assim aconteceria – ela responde – Se você mudasse, prestasse
mais atenção em com quem anda, então
quem sabe crescesse. Quer dizer, o que é isso aí no seu pulso?
Viro minha mão para cima por
impulso, embora saiba do que ela fala. Minha nova tatuagem, um par de asas de
anjo, brancas e lindamente desenhadas. Volto a palma para sobre a mesa,
encarando-a sem falar nada.
—
Você deveria, sim, seguir o exemplo
da sua irmã, do jeito que as criei – ela observa e volta a comer.
—
Seguir o exemplo dela? – retruco já irritada – E ser o que? Uma hipócrita que
se faz de santa mas pode ser pior que o próprio diabo? E me desculpe, mamãe,
mas não me venha falar de criação, ouve uma grande diferença entre eu e a Elena
nesse quesito.
—
Mãe, nem todos podem ser assim, – Elena diz – e nós duas temos que aprender a
passar por essa dificuldade, acredito que é um desafio a ser vencido – minha
irmã volta os olhos escuros para mim – Eu sempre acreditei que a sua existência
era um sacrilégio, você veio ao mundo para nos testar, não concorda?
Pressiono
meus dentes e levanto, com as mãos apoiadas na mesa.
—
Sua va...
A
luz apaga, e a casa fica imersa em uma completa escuridão. Ótimo momento para
faltar eletricidade! Eu e minha avó vamos ao armário e pegamos algumas velas.
Depois de acendê-las, começamos a pensar em voltar à mesa, mas vovó nos
surpreende.
—
Acho melhor esperarmos a luz voltar – minha avó sugeriu.
Não entendemos, mas ela começa a
falar quase tremendo, como se estivesse com medo, dizendo que devemos ficar no
escuro mesmo, e as velas são apenas para encontrarmos a sala, o que é muito
estranho, e não sou a única a pensar isso, tenho certeza. Escutamos barulhos. O
guarda-roupa do quarto e o portão do quintal, e como vovó tem apenas um cão ele
só poderia estar em um dos lugares. Elena se adianta a pegar uma vela, mas
nossa avó surta, mandando-a sair de perto da luz. Minha irmã franze o cenho e
sorri dizendo que tudo ficará bem, seguindo em direção ao quintal. Levo minha
mão ao bolso e pego meu celular, ligando sua lanterna.
—
Vou ver o quarto – informo.
Vovó parece angustiada e engulo em
seco. Isso me assusta um pouco. Vou para o quarto e sigo o som das batidas na
madeira. Droga! O armário está em minha frente, passo a luz por ele e nada
vejo. Escuto o som de passos e viro para o outro lado, baixando a lanterna a
tempo de ver Floco de Neve, o cachorro da vovó. Suspiro aliviada, como sou
idiota, claro que não é nada. Agora posso voltar à sala, e direciono o celular
para encontrar o caminho, mas ele desliga. Sem
Bateria, é o que aparece quando tento ligá-lo. Tudo bem, ainda posso me
guiar pelas paredes, assim sinto que saio do quarto e passo pelo corredor.
Avisto o quarto de minha avó, uma vela queimando encima de uma penteadeira,
isso significa que estou próxima a sala, que alívio!
Escuto gritos ao longe. É Elena,
tenho certeza. Corro em direção à sala iluminada, mas não vejo minha avó, muito
menos minha mãe, só escuto os gritos. Olho ao redor e o som cessa. Respiro
ofegante, tentando ficar calma, repetindo para mim mesma que não é nada.
Passos, posso ouvir passos vindo em minha direção, e pela primeira vez percebo
que há muito mais velas do que havíamos acendido, formando o meio círculo ao
meu redor. Os passos se aproximam e param, como se alguém estivesse ao meu
lado, na direção da cozinha, mas assim que viro não vejo ninguém. Me sinto
angustiada, um calafrio percorre minha espinha e começo a sentir um estranho
frio. Viro para o outro lado e vejo uma sombra humana na parede, o que me faz instintivamente
voltar ao outro lado, e novamente não olho nada, mas realmente sinto que tem
alguém ali. Dou um passo para trás e meu calcanhar bate em algo, me fazendo
cair, e então de repente a luz apaga. Estou sentada em um sofá? Posso sentir a
quase maciez do assento e em minhas costas. Pisco uma vez e a luz das velas
volta, mas estou estranha. Olho minhas pequenas mãos e meu corpo, passo a mão
em meu rosto e cabelo. É como... se tivesse seis anos novamente. O que?
Não estou sozinha. Minha irmã está
atrás do sofá, sorrindo, e de alguma forma seu sorriso me dá calafrios. Vejo
mais duas meninas, lembro delas, visitavam nossa casa quando éramos crianças,
mas nunca nos demos bem porque elas eram tão loucas quanto Elena, quanto minha
mãe as ensinava a ser. Elas agora estão ali, com o mesmo sorriso assustador, e
minha mãe em frente ao sofá. Ela caminha, passando por mim e para, olhando-me
com um olhar que me dá vontade de chorar. Maldita idade! Engulo em seco e
encaro mamãe, que abaixa um pouco o corpo, aproximando o rosto e olhando
profundamente em meus olhos.
—
Sua inútil – ela fala, pronunciando as palavras pausadamente, e então começa a
rir de maneira maldosa.
—
Amaldiçoada – as duas meninas falam em uníssono em minhas costas.
—
Você nem deveria ter nascido, Isadora – minha mãe afirma.
Elas ficam repetindo as mesmas
palavras, que me parecem cada vez mais altas. Tampo os ouvidos com as mãos e
posso ouvir minha própria voz abafada pedindo para que parem, mas elas não
param, ficam falando e não sei quanto tempo está passando, parece uma
eternidade. Sinto um nó na garganta, não quero chorar. Enfim todas se calam, e
a cena parece congelar, retiro as mãos das orelhas e um frio corre minha
espinha quando sinto alguém se aproximar por trás. Paraliso, é Elena. Escuto
sua voz infantil em minha orelha:
—
Eu sempre soube que você era um sacrilégio.
Todas as velas começam a se apagar, uma
a uma, de uma ponta a outra, e de repente me vejo novamente na escuridão.
Prendo a respiração e me levanto. Uma vela se acende no canto da sala, sobre um
pedestal, e percebo que voltei ao normal.
—
Olá, Isa – uma voz fala ao meu lado e quase dou um pulo.
Olho
para baixo e vejo uma menina que aparenta ter seis anos, os cabelos lisos e loiros,
a franja curta caída acima dos olhos azuis. Franzo as sobrancelhas enquanto a
observo, pois sinto que a conheço, e mesmo sem perceber meus lábios se abrem e
eu sussurro:
—
Júlia?
—
Sim, fico feliz que lembre de mim – ela sorri.
Aperto o peito assustada. Júlia era
minha amiga imaginária quando criança, era a única “pessoa” que me entendia.
Mas não era real, então...
—
Eu sou mais real do que você pensa, Isa – Júlia diz como se soubesse o que
penso. – Apenas me escute – percebo que estou prendendo a respiração e tento me
acalmar, respirando fundo e concordando. Irei escutá-la – Eu não era exatamente
fruto da sua imaginação, apenas a maneira como você me vê, uma menina que tinha
a sua idade. Mas eu sou uma Juíza – ela riu, e embora aparentasse ter seis
anos, não falava ou agia como uma criança – Quer dizer, é o que falamos, mas
enfim. Nós, juízes, não somos anjos
ou demônios, estamos entre os três mundos, somos apenas meros observadores.
Observamos crianças, e escolhemos algumas, tendo em base o que provavelmente
acontecerá no futuro, e então lhe damos um selo, como o que dei a você no
último dia em que nos vimos, quando sua mãe estava surtando porque você estava
falando com o vazio. A criança está vendo
e conversando com um demônio – ela riu sarcasticamente – Foi assim, não
foi? Enfim. Em 98% das vezes que a luz em alguma rua ou bairro cai, é algum
juiz fazendo seu trabalho. A escuridão é propícia para nós, e, além disso, as
pessoas tendem a procurar um jeito de ter luz, e com essa pequena fonte de
luminosidade fica muito mais fácil enxergar as marcas, porque crianças crescem
e mudam, mas assim nós sabemos quem são. E então fazemos a pessoa passar por um
pequeno julgamento, mas não pense que julgarei se você vai para o céu ou o
inferno nem nada, isso é com Deus, eu apenas estou testando sua alma.
Lembro do que minha avó falou, sobre
ficarmos longe da luz e imagino se ela sabe sobre isso, se já passou por isso.
Não tenho muito tempo para pensar, a luz amarela se amplia um pouco, até que
vejo um curto corredor mais além, com uma porta em cada lado e uma no fundo. Júlia faz sinal para que eu vá adiante e
faço isso, de algum jeito, mesmo com os recentes acontecimentos, agora não me
sinto sozinha. Abro a porta do quarto à direita e tapo o nariz. Há um porco
morto, a barriga aberta. Ele e o piso estão cobertos de sangue, e um pouco mais
afastado vejo uma faca. Reúno coragem e entro, pegando o utensílio afiado
também sujo e me apressando em sair dali. Com a faca em mãos me sinto um pouco
precavida.
Vou até o quarto no lado oposto e o
abro. Olho uma mulher sentada em um canto, completamente coberta de sangue. Ela
murmura coisas sobre “estar suja, manchada, amaldiçoada”, e há algo em seu
pescoço, mas a imagem é muito angustiante e fecho o aposento, engolindo em
seco. Volto à sala.
—
Você tem duas escolhas – Júlia explica – Pode matar aquela cabra – ela aponta
para o pobre animal acorrentado na porta do quarto de minha avó, e isso me faz
tremer – Assim poderá acordar disso tudo e não se lembrará de nada, ou pode
pegar a chave que está no pescoço daquela mulher e entrar na última porta,
podendo salvar sua irmã – abro bem os olhos, espantada – Sim, ela está aqui em
algum lugar – abro a boca para falar e ela me interrompe – Mas se escolher isso
irá entrar em um mundo terrível e sombrio, do qual pode nunca mais sair, e
mesmo que saia não será fácil. Já se escolher a outra opção quando acordar não
lembrará de nada, inclusive da Elena, nem você e nem ninguém.
—
Eu – hesito por um instante, com medo – Tenho que ajudá-la.
Júlia
faz menção que eu continue. Respiro fundo novamente e volto aquele tenebroso
quarto, aproximando-me da mulher e arrancando o cordão com a chave em seu
pescoço, engulo minha saliva e lhe dou as costas, mas ela agarra minha perna,
murmurando um “você também”, e finalmente me solta. Solto a respiração,
angustiada, e saio. Vou para o fim do corredor, até a última porta, e quando a
abro vejo apenas escuridão, logo mergulhando nela. Começo a caminhar, estendo
os braços e sinto as paredes, estou em um corredor estreito. Escuto vozes,
risadas, às vezes longe, algumas vezes perto, sinto calafrios, um profundo medo
me toma.
Apresso meus passos, até esbarrar em
algo. Passo as mãos a minha frente, sinto uma maçaneta e a giro. Uma porta.
Entro em uma sala. Há uma mulher quase idosa no centro, alta e magra, segurando
uma vela. Ela vira para mim e fala:
—
Parabéns, você chegou ao fim – sinto-me surpresa. O que está acontecendo? Quero
falar algo, mas nada consigo dizer – Sabe, sua irmã, Elena, passou quase pela
mesma prova – a mulher aponta para uma jovem sentada no canto, parece uma
versão descuidada de minha irmã, de calça e camiseta. Suas mãos estão sujas de
sangue e os olhos sem vida – Não devia, mas quero te dizer. Ela escolheu matar
nosso querido porco – a senhora assumiu uma expressão forçadamente horrorizada
– Acredita nisso? Bom, tudo o que ela fala, e o que ela é, isso sim é um
sacrilégio – ela ri balançando a cabeça – E quanto a você, Isadora, já é hora
de acordar. – a mulher me encara seriamente com seus olhos escuros e se
aproxima, pousando a mão sobre minha testa. Sinto-me enfraquecer e apagar.
Abro os olhos após piscar algumas
vezes e avisto a vela no quarto de minha avó. Estou próxima da sala, que
alívio! Vovó suspira aliviada quando retorno enquanto minha irmã a observa com estranheza.
Acho que continuo não sendo a única sem entender o porquê de ela estar assim.
—
Era o Floco de Neve – aponto o polegar para trás.
—
Era um gato qualquer – Elena pressiona os lábios, falando sobre os sons no
quintal.
A luz finalmente volta e todas
suspiramos aliviadas. Logo começamos a apagar as velas, e o ambiente até parece
mais tranquilo, acho que é a felicidade pela volta da eletricidade. Esse
pensamento me faz rir por um segundo. Sopro a chama de uma vela e a outra,
alguns centímetros longe, se apaga em seguida. Olho para ela e meu peito
aperta. Me sinto angustiada.
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