28 junho 2016

Batalha de Escritores [1º Batalha]



Hoje começa a primeira Batalha de escritores.

Resumindo: A batalha é escrever um conto. Mas não é tão fácil assim, cada escritor é desafiado a sair de sua zona de conforto e escrever o gênero literário do adversário. Até ai tudo bem (ou não?). Para dificultar um pouquinho mais os adversários escolheram uma imagem e título. Essa imagem e título servirão de base para que eles respectivamente escrevam seus contos.

Então sem mais delongas, vamos conhecer nossos primeiros escritores, e seus respectivos contos.



Agora vamos aos contos:


Conto de: Francielle Santana
Título: Terra dos Dragões Gênero: Fantasia
Perfil no Wattpad: Frann Santana 

A minha reação ao encontrar aquele ser ferido na minha frente não poderia ser mais confusa. Parte do povoado afirmava que os dragões não existiam mais, parte dizia que ser um dragão era uma maldição que alguns homens ganhavam como recompensa pelas suas maldades. E outra parte dizia que ― se existiram ― eles nunca foram confiáveis. No entanto aquele não me transmitia ameaça, por maior que fosse. Me aproximei notando que ele respirava com dificuldade, parecia machucado, mas não havia rastros de sangue por perto. Tudo que podia enxergar era um ser enorme com chiados vindo do seu pulmão. Me levantei olhando ao redor, algumas arvores foram facilmente tombadas por causa de uma aterrissagem mal feita. Assustei-me quando ele tentou em vão se levantar. 

― Hey, calma garoto. Nem sei se você é um garoto. Nem sei se me entende. 
Seu olhar por mais ameaçador que já tenha sido, naquele momento transmitia medo. Suas patas davam uma volta pela minha cintura, puxando-me para mais perto. Ele tentava me dizer algo. Mas sinceramente eu não conseguia decifrar. Pareciam apenas grunhidos e chiados. 

 ― Calma, tudo ficará bem.  ― Tentei tranquiliza-lo enquanto minha mão passeava pelas suas escamas.

Ele levantou com dificuldade a pata e fincou no meu pescoço uma garra extra quase imperceptível diante de todas as outras. Doeu como a picada de algum inseto das matas, e foi naquele momento que senti uma onda percorrendo meu braço. Com um arrepio. 

Tentei me desvencilhar, mas isso só fez me machucar. Mais uma vez fui puxada para perto, dessa vez com a ajuda da sua calda. Ele queria que eu visse algo. Mas como? O que seria? Com receio coloquei minha mão sobre ele e com a garra novamente no local já machucado ouvi alguém falar comigo. Mas parecia ser apenas o meu próprio pensamento. 

― Preciso de você, menina. Vá para a ilha e salve-nos.

Sim, o dragão falava comigo. E só havia uma ilha mais próxima de onde estávamos.

― Salvar quem? Essa ilha é amaldiçoada. Ninguém que foi para lá voltou para contar história... 

O dragão ficava mais fraco, e eu mais intrigada. 

― Sim, a terra tem uma maldição que já matou muitos dragões e muitos temem sair de lá. Restam poucos de nós, todos os filhotes estão morrendo. A terra vive em trevas constantemente. Eu não tenho muito tempo para explicar tudo. É necessário que alguém vá até lá. Só um ato de coragem genuína de um coração puro pode nos libertar. Busque pela pedra de Amélie. Há pouco tempo, menina... vá. 

Naquele momento ele retirou sua pequena garra do meu pescoço e deixou sua pata cair pesadamente no chão. Com um ultimo suspiro ele se transformou em inúmeras partículas quase negras com pequenos rastros brilhantes que rodopiaram no ar, assemelhando a um pequeno furacão levantando poeira e embaçando minha visão. Quando o fenômeno cessou, o que restou no lugar do dragão foi apenas uma pedra de um azul intenso com pigmentos brancos. Tomei a pedra ainda assustada com tudo aquilo e guardei comigo. 

Dias depois eu consegui maiores informações, mas não suficiente. Fui à casa dos livros do povoado. E foi então que o senhor Gram me contou o que achava de tudo aquilo. Mostrou-me pinturas de alguns dragões e em um desses escritos encontrei algo que me chamou atenção. Uma pedra branca, bem lapidada, e simplesmente incrível. De longe a pedra mais linda que já vi. O senhor Gram me olhou curiosamente enquanto eu tentava ler o que estava escrito ao lado da pintura.

 ― Esse livro não vai te contar tudo que deseja saber, minha jovem. Mas me diga... como você sabe da pedra de Amélie?  
― Conversas com alguns amigos. Sabe como é... esses assuntos sempre aparecem, senhor Gram. 

Ele sentou na minha frente apontando para a imagem da pedra em questão.

― Quase ninguém sabe sobre essa pedra e muito menos da historia por detrás dela. Me conte o que quer saber, eu posso te ajudar. 

Olhei temerosa para ele, mas decidi fazer o que achei correto. Tirei o embrulho da bolsa e com cuidado mostrei a pedra que sobrou daquele dragão desconhecido. A expressão no rosto do senhor Gram era um misto de medo e emoção. Suas mãos tremulas foram até as minhas como se aquela pedra fosse um objeto extremamente precioso.  

― Onde encontrou isso, menina? Essa é uma pedra de dragão... Faz anos que não vejo uma, isso é incrível. Onde a achou? Dentro de alguma caverna? Até onde você foi para achar isso?

Foi então que expliquei tudo que tinha acontecido. Falei do dragão, mostrei a cicatriz que já estava desaparecendo do meu pescoço. E disse que precisava saber de Amélie, da pedra dela.
― Amélie era o dragão mais puro que já existiu, minha jovem. Conta a lenda que uma maldição caiu sobre a Ilha Branca, e por isso se tornou a Ilha Negra, ou Boca do dragão. Os dragões conviviam com humanos, e não se resumia apenas àquela Ilha. Em todos os lugares se viam animais gigantes cortando o céu. Claro que nem todos eram bons, porém os maus raramente conseguiam durar muito tempo por aqui. Ou eram mortos ou eram mandados para outras terras. Algumas pessoas passam suas vidas desejando encontrar algum deles para simplesmente matar, ou inutilmente prende-los. É por isso que ninguém encontra ossos de dragões, eles se transformam em pedras raras. E toda vez que algum deles ultrapassa a fronteira é como se assinasse sua carta de morte. Eles perdem suas forças aos poucos.

Ouvi tudo atentamente, precisava dar um jeito de unir forças e pessoas para encontrar a pedra de Amélie e invadir a ilha ou como eu preferia chamar, a Terra dos Dragões. Ainda não sabia exatamente como fazer aquilo, mas tentaria.

Em um dia ensolarado já anunciando boas noticias, barcos chegaram no nosso povoado. Eram os maiores barcos que eu já havia visto. Suas velas balançavam com o vento, enquanto barcos menores eram lançados ao mar trazendo homens carrancudos, que mais tarde descobri, haviam chegado a negócios. Suas roupas eram diferentes daquelas que usávamos. Fiquei a certa distancia observando, aqueles barcos seriam perfeitos para invadir a Ilha Negra, mesmo não tendo a pedra de Amélie ainda. Eles traziam cargas e mais cargas. Objetos de algum lugar distante e mais evoluído.

― Procurando alguma coisa? 

Me virei assustada pela voz desconhecida. Um jovem magro e mais alto me pegou desatenta, ou talvez atenta demais. Pelas suas vestes, tinha vindo junto com todos os outros. Seu olhar me analisava de cima a baixo. Levantei a cabeça ainda mais, mostrando que não me tornava frágil por ter me assustado. 

―        Na verdade só estava curiosa. Quem são vocês?  

Ele se apoiou em um barril cheio perto de onde eu estava.
― Somos viajantes e digamos... Comerciantes.  
― E para onde vocês vão depois daqui? 

Ele estreitou ainda mais os olhos, como que tentando descobrir o que eu estava procurando. 
― Nós não sabemos. Você tem alguma ideia, linda garota?
  
Ele passeou a mão no meu cabelo trançado, num típico galanteio barato. Galanteio esse que recusei, apesar de saber que seriam aqueles barcos que me levariam até meu destino.

― Pra falar a verdade tenho.

Levantei minha mão em sua direção, como se estivesse selando um acordo.

― Me chamo Deb. 

Por alguns segundos minha mão ficou estendida no ar, e um sorriso de canto surgia no rosto daquele até então desconhecido.

― Luca. É um prazer conhecê-la.

A partir daquele momento conversamos bastante. Tentava descobrir se ele era realmente confiável. Já não tinha mãe ou pai para me aconselhar. Aprendi nessa vida a andar com meus próprios pés, e ser guiada pelo meu coração. Sempre fui curiosa em relação a tudo que tentavam esconder. Não era privada de medos, porém ironicamente os meus se resumiam a humanos, e não a dragões. Afinal, não foram eles que me tiraram tudo de mais precioso que tinha. Certo dia fui guiada ao interior de um daqueles grandes barcos, não perderia essa chance por nada. Eu e o Luca estávamos mais próximos. Tudo aconteceu na madrugada, era bem cedinho, todos os homens estariam dormindo com suas barrigas gigantes para cima. Luca me fez subir uma pequena escada de cordas e finalmente cheguei ao que parecia ser um porão, um quarto abandonado. Ouvi som de correntes sendo arrastadas. Parei congelada quando senti uma respiração muito pesada vindo de um compartimento abaixo dos meus pés. 

― Era pra ele estar dormindo. Vamos rápido. 

Saímos de lá e entramos em um dos quartos. Passamos com cuidado entre homens bêbados, até que ele me levou por um corredor para que pudéssemos chegar até a proa da embarcação. Mas meus olhos brilharam quando por uma porta aberta vi um quadro pendurado numa parede dentro de um quarto, que parecia ser de alguém importante. Apertei a mão de Luca impedindo-o de continuar me puxando.

― De quem é esse quarto? ― Falei sem tirar os olhos do quadro. 
― Você não vai querer saber. ― O encarei e ele entendeu que eu não desistiria. ― Esse é o quarto do Capitão Garrels. 

Meu coração já acelerado tentava explodir dentro de mim. Entrei em transe e só saí de lá quando ouvi um barulho, provavelmente o senhor Garrels roncando. 
Saímos  em direção a proa. Sentamos-nos, o sol ainda não havia nascido. Porém a escuridão mais intensa da noite já havia dissipado.

 ― O que existe la em baixo? 
― São apenas alguns animais. Crocodilos, jacarés. Servem como uma ameaça para quem tentar trapacear conosco. 
― E como seu capitão conseguiu aquele quadro? 
― É estranho você falar exatamente dele. É o mimo do capitão. ― ele suspirou ― Ele não deixa ninguém tocar, não negocia por nada, e provavelmente entregaria todas as embarcações em troca daquele quadro. Provavelmente deve ser a pedra mais cara que ele já encontrou em nossas viagens.
―Você sabe onde ele encontrou?  
―Não, e para lhe ser sincero, nem creio que tenha sido ele que encontrou. Nasci nesse barco e desde que me lembro essa pedra existe. Sei que você é meio louca, porém te advirto, não tente chegar perto nem sequer do quarto dele, quanto mais da pedra branca.

É claro que eu chegaria, e lhe falei isso. Estávamos ligados. Eu acredito no destino, e o fato da pedra de Amélie estar exatamente em um dos barcos que eu pretendia usar para ir até a Ilha... não podia ser coincidência. Tudo já estava planejado. Ele decidiu me levar de volta para casa, antes que o capitão acordasse e lhe fizesse inúmeras perguntas. Traçamos o mesmo caminho de volta, porém resisti mais tempo no quarto vazio. 

―Por favor, me deixe descer. 

Ele encarou-me estupefato.

― Seu plano é se matar? Desculpe mas não posso permitir. Está louca? 
― Compreenda Luca. Eu sei que não são crocodilos e jacarés que estão aí. Ou pelo menos não estão sozinhos.
―Não, nós precisamos sair daqui.
 ―Então me permita apenas olhar, se mudar de opinião eu desço. Por favor.
  
Ele pensou um pouco. Mas assentiu.  
― Está bem. Uma olhada, rápida! Ok?  

Assenti, e quando ele abriu a porta sob meus pés não vi nenhum animal la dentro. Não poderia gritar por que dos homens que dormiam no quarto ao lado. Só tinha uma saída. Tirei minha sacola e a estendi pendurada la dentro, não demorou para que correntes fossem arrastadas. A pedra brilhou dentro da sacola de pano. Aquilo era novo pra mim. Foi assim que consegui descobrir um pouco mais da historia. E contar todo meu plano a eles. Ao Lius e ao Luca. Senti resistência em convencê-lo. Afinal não parecia muito sã da minha parte a ideia de roubar uma pedra, um barco e ele para guia-lo. Mas depois de tudo que viu, era quase impossível dizer não.

[...]

Descobri que Luca era sobrinho do grande Garrels. E que apesar das maldades, o tio o via como seu futuro sucessor. Logo, ele conseguiu pegar um dos barcos para dar uma conferida nas redondezas. Alguns homens foram conosco, mas resolvemos isso com um chá que aprendi o senhor Gram. Eles dormiram e ficaram no porão, que naquele barco estava vazio. Estavam trancados. 

            A medida que nos afastávamos do povoado o dia parecia se tornar noite, e não era pelo tempo que levávamos navegando, era por causa da maldição. "Vivemos em trevas". Lembrei do que o meu primeiro dragão me disse. Apertei as duas pedras contra meu peito pensando no quanto deveria ser horrível passar anos naquele lugar. Quando olhei para trás vi o que ninguém gostaria de ver na minha posição. Todas as embarcações do senhor Garrels vinham atrás de nós e adiante delas vi o Lius, que finalmente havia sido liberto, não sabia, no entanto que apesar da maldição que estava sobre os outros da sua espécie, ele naquele momento, era mais preso e mais amaldiçoado do que todos os outros. 

A jornada seria difícil, mas eu sabia que conseguiria. Sabia que estava chegando ainda mais perto quando ao olhar para baixo, via no fundo do mar pigmentos brancos. Sim.. Eram pedras de dragões. Ao longe vi a Ilha, e à medida que nos aproximávamos a pedra de Amélie brilhava em meu bolso, comecei a sentir que era só isso que tinha que fazer, levar Amélie de volta para casa, porque por onde passávamos as trevas se dissipavam. Luca olhou surpreso e feliz ao mesmo tempo. Puxou minha mão, abraçando-me pela primeira vez, depositou um beijo no alto da minha cabeça.
Só temos um ao outro agora. 
― E ambos a Terra do Dragão.


 Conto de: Thiago Franco
Título: Atemporal Gênero: Romance
Perfil no Wattpad: Thiago Franco

  
 Matheus apertou fortemente os dedos envolta da xícara em seu colo, fechou os olhos e disse para si: ― Tudo é para sempre.
   
 
     E a mente do rapaz mergulhou-se em um mar de lembranças...

Ano de 1987

            Naquele dia ensolarado, o rapaz limpava com todo o zelo do mundo as prateleiras da biblioteca municipal.
            Com um assobio nos lábios e certa agilidade limpava uma por uma das bem talhadas prateleiras daquela bem organizada biblioteca. A biblioteca municipal era o orgulho daquela pequena cidade do interior.
            Todos tinham o desejo de morar dentro daquele lugar.
            Todos sonhavam com as horas exatas em que a biblioteca abria.
Para Matheus conseguir o emprego de bibliotecário foi um grande desafio para o rapaz, ainda que este fosse de família nobre e professor recentemente formado na universidade mais conceituada da região. Mas como os livros eram como o ar para o jovem professor, uma das responsáveis pela biblioteca convenceu os outros a admitirem o rapaz.
            A senhorita Silvia Mendonça era conhecida em toda a cidade como a "mulher dos livros", a diretora sempre andava com algumas obras debaixo dos braços, em sua bolsa elegante, ou mesmo em sacolas. Ela viu o brilho nos olhos de Matheus no dia em que o entrevistou para o emprego de bibliotecário. Soube que encontrara outra pessoa que amava tinta e papel tanto quanto ela.
       E esses dois logo se tornaram amigos. E os dias foram passando, assistindo os sorrisos do rapaz que cuidava das prateleiras e da mulher que tratava de papéis que tratavam da organização da biblioteca.

      Meses se foram. Anos. Mas algo estava errado para Silvia.
     
 
      Naquele dia, a diretora observava seu ajudante dos pés à cabeça. Algo realmente estava soando estranho e surreal. Como ela podia ter estado tanto tempo sem questionar aquilo?

― Você não mudou nada ― disse Silvia enquanto o jovem Matheus organizava alguns livros nas prateleiras altas. ― Está o mesmo desde que eu te conheci.

            O jovem parou no mesmo instante o que estava fazendo e olhou para a mulher. Deixou os livros que estava segurando no chão e se dirigiu até a mesa da diretora.

            Parou em frente à mesa e olhou todo o rosto de Silvia, encontrando seus olhos escuros. Seus olhos eram os mesmos, mas seu rosto fino e macio já exibiam profundas linhas de expressão, que guardavam histórias e experiências vividas naquela biblioteca. Havia passado quarenta anos!

― Já você mudou tanto, minha amiga. Disse Matheus com um sorriso afetuoso.
― Sim. O tempo não tem segredos comigo como tem com você ― respondeu a mulher dos livros, agora uma senhora de sessenta anos. ― Me conte: como isso é possível?
      O rapaz já ia responder...
      Neste instante alguém abriu a porta.
― Mãe? ― era uma jovem, uma bela jovem. ― Vim emprestar um livro.
      Seus cabelos lisos estavam torneando o seu rosto fino e delicado.
      Estava com um vestido de tons rosa, tão alegre quanto um revoar de borboletas em um verde jardim!
      O jovem Matheus se apaixonou.

― Laura, falei que levaria para você. Disse Silvia.
― Eu sei mãe, mas resolvi eu mesma vir buscar.
― Você é teimosa igual ao seu pai.

      Laura tratou logo de encostar seu guarda-sol na parede da porta e se aproximou de Matheus.

― Olá ― estendeu surpreendido à mão coberta por uma luva branca. ― Meu nome é Laura, sou filha dela ― apontou para Silvia. ― E você?

     Matheus estendeu sua mão e lhe respondeu:

― Olá, é um prazer conhecê-la moção, me chamo Matheus.
― Prazer Matheus.
      O jovem cuidador dos livros virou-se para sua amiga e diretora.
― Não me disse que tinha filhos ou filha.

       Silvia sorriu.

― Laura não é minha filha de sangue. É filha de minha falecida irmã, Dalva. Mas eu a criei desde os cinco anos.
― E muitíssimo bem. Concordou a jovem. E virando-se para Matheus disse:
― Então, poderá me ajudar a escolher um livro?

            Com certeza poderia. Matheus já estava a amando.
            Mas seus olhos buscaram a permissão de Silvia, que consentiu. Laura estava deslumbrada com todas aquelas prateleiras e títulos. A cada corredor, a jovem parecia dançar procurando o próximo livro de sua vida. Quando encontrava um suspeito perguntava pela opinião de Matheus.

            E a cada novo corredor, Matheus tinha chance de olhar para aquela bela jovem mais uma vez. Para seu vestido rodopiando entre os livros, seus cabelos lisos ora no rosto, ora nas costas, e seus olhos castanhos. Há de serem os olhos mais castanhos do mundo! Pensou o rapaz.

            Mas chegou um momento em que o rapaz foi surpreendido pela voz daquela moça em seu ouvido.

― Vamos fugir para a praça?
― O quê?

            Fugir de uma biblioteca sem porque nem razão parecia algo anormal para Matheus, e de fato não era comum as moças daquela cidade saírem por aí fugindo com bibliotecários.

            Mas Matheus não teve como recusar. Os olhos da garota já sabiam que seu coração já era dela.
E assim os dois deixaram de lado os livros e conversa sobre romances e passaram a pensar em um modo de como passariam pela porta sem que fossem vistos.

― Você está bem? ― indagou Matheus, tocando a testa de sua cúmplice de fuga. ― Isso não é coisa que se faça.
― Xiii. Fique quieto. Minha mãe não me permite muitas alegrias. A praça é meu paraíso.

       Matheus não duvidara que Laura não tivesse tantas alegrias, há poucos minutos ficara sabendo de sua existência, não era de se admirar que Silvia não dava à sua própria filha alguma liberdade.

      Esgueirando-se e abaixando, ambos conseguiram chegar à porta da biblioteca. Silvia estava olhando atentamente alguns papéis em suas mãos, com certeza não daria ouvidos ao ranger da porta. E não deu.
      Aqueles jovens recém-conhecidos se depararam com um dia não só ensolarado, mas com uma certa dança do vento, com todo o seu frescor e alívio que faz a alma sorrir. E Laura não só sorriu, mas fechou os olhos, abriu os braços e declarou:

― Sente... O vento... As folhas caindo na praça... O sol nos convidando para um passeio.
     Em seguida agarrou a mão de seu cúmplice e saiu o puxando em direção à praça que ficava logo em frente à biblioteca.
― À vista, o meu paraíso. Laura disse sorrindo. Levando seu convidado para o meio da praça.
― O seu paraíso moça é formidável. Matheus respondeu.

      De fato era uma contagiante e simples praça. Um gramado cobria toda a sua extensão. Acompanhado de inúmeros bancos espalhados por todo canto, bancos de madeira, esculpidos com elegância e lixados com muito talento.

       Assim que chegou ao lugar onde desejava, Laura soltou a mão de seu cúmplice e deitou-se de barriga para cima.

― Você é uma garota incomum. Declarou o jovem Matheus vendo aquela cena.
     Uma moça de vestido deitada na grama de uma praça, em pleno dia de sol.
― Minha mãe vive dizendo isso para mim. Deixei dar importância.

            Ouvindo isso, o rapaz entendeu que significava um convite e deitou próximo à sua cúmplice de fuga. Ficaram um minuto em silêncio, observando aquele céu que não exibia nuvem alguma. Ficaram ali com seus pensamentos e sorrisos internos. Ela é só uma garota desmiolada, mas é normal, pensava Matheus.

            Ele é minha companhia hoje, dona praça, pensava Laura.

            E o silêncio permaneceu por mais alguns segundos, até que a garota da praça interrompeu:

― Tudo é para sempre.
            Matheus olhou para sua companhia, esperando explicação.
― Se esses minutos ficarem dentro de nós, então tudo é para sempre. Explicou Laura.
            Matheus sorriu.
― Um belo e poético pensamento. Disse.
― Sim. Laura concordou.
           
E aquele foi o primeiro dia ensolarado dos dois. A primeira fuga da biblioteca e o primeiro dia de "Tudo é para sempre".

            E quando o rapaz voltou para a biblioteca, Silvia parecia estar transtornada. Andava para um lado e para outro. Pediu explicações e Matheus lhe contou a verdade. Sobre a fuga com Laura, sobre a praça e o dia ensolarado.

            No outro dia, Matheus parecia está adormecido em um poço de alegria sem fim.
            Silvia não gostou nada dos sorrisos que viu em seu rosto. Silvia preocupava-se com que tudo aquilo viria se tornar.
― Matheus, a Laura pode não entender seu não envelhecimento ― disse a diretora e mãe da moça em um momento. ― Não crie ilusões.
            Mas o rapaz criou. Criou porque o rosto de Laura em sua mente o impedia de pensar seriamente. Mais um dia. Mais apaixonado.
            E aconteceu outra fuga.
            Laura dessa vez, tinha uma surpresa para o rapaz. Por isso precisou vendá-lo. E assim seguiam pela praça da cidade sob olhares curiosos. A moça mantinha os risos o tempo todo, não era boa como guia, às vezes parecia que o rapaz iria cair, e esse era o motivo dos seus risos.
            Naquela fuga, Matheus e Laura foram ao cinema. Era um filme de romance. Um filme que o rapaz pensava em assistir, mas os livros o consumiam.
            Enquanto as cenas mais fortes e dramáticas ocorriam, Laura fechava os olhos com um certo terror. Matheus divertia-se.
            Às vezes, o rapaz olhava para sua companhia e conseguia pensar em um futuro ao seu lado. Velhinhos, com netos, em uma casinha humilde, perto de onde mora a paz e o sossego, cuidando um do outro. Mas logo esse desejo dissipava em seu coração, pois nunca envelheceria.
     
 
            Depois do cinema, ambos foram para a praça. Ambos deitaram-se de barriga para cima, olhando o céu, que dessa vez estava coberto de nuvens.
            Um gostaria de saber no que o outro estaria pensando. Um pensava em dar a mão ao outro. E deram. Foi como se os dois corações tivessem conversado e juntos movimentaram as mãos dos seus donos apaixonados.
― Eu deveria beijá-la agora.
            Laura sorriu para o vento.
― Deveria.
― Mas é nosso segundo dia. Desejo ter o terceiro.
            As emoções à flor da pele, pareciam queimar cada parte do corpo de cada um. E quem não fica assim quando se está amando?
― Eu também. Laura concordou.
No outro dia, Laura chegou mais cedo à biblioteca. Nem mesmo falou com sua mãe, mas seguiu até o rapaz que folheava as páginas de um livro.
― Olá moço da biblioteca. A praça nos espera.
            E lá se foram para seu mundo particular. Quando chegaram, Matheus reparou em uma toalha de piquenique e uma certa montanha de livros.
― Hoje iremos ler? ― perguntou.
            Laura sentou-se sobre a toalha, pegou um dos exemplares e deu ao rapaz.
― Você lerá para nós.
     Matheus sorriu.
― Com prazer, senhorita.
            E foi o terceiro dia. A terceira fuga e a terceira aventura. Laura capturava cada palavra que saía dos lábios de Matheus, deitada em seu colo, às vezes desejava ficar ali para sempre! E quem disse que não era o mesmo desejo do rapaz?
 
            Após algumas leituras, Matheus convidou sua ouvinte para dançar e esta aceitou. Era uma cena incomum, ninguém dançaria numa praça, ainda por cima sem música!
            Mas os dois ouviam seus corações em um mesmo ritmo e isso era o que importava.

            Mais um dia Laura apareceu na biblioteca. Silvia notou a presença da filha e olhou para Matheus com um certo aviso. E aqueles olhos diziam: não crie ilusões.

            O jovem bibliotecário entendeu. Cada vez mais estava pertencendo à vida de Laura. Cada vez mais estava nutrindo seus sentimentos por ela e os dela por ele.
            Nunca ficariam velhinhos juntos. Nunca sentariam na varanda de uma casa, de mãos dados desfrutando os últimos momentos de suas vidas. Apenas Laura envelheceria. Apenas Laura morreria.
            Mas o rapaz foi teimoso mais uma vez. E Laura o arrastou novamente para fora da biblioteca, para acompanhá-la em seu paraíso de liberdade.
― O que está fazendo? ― perguntou Matheus ao ver a moça começar a correr.
― Estou apressando-me à praça!
            Então o jovem professor pôs-se a correr também. Seus altos risos eram ouvidos em toda a vizinhança do centro da cidade. Quando chegaram na praça, nos seus lugares de encontros e pensamentos, Laura jogou-se na grama, eufórica, alegre, sorridente e outros adjetivos que expliquem melhor esta cena.
            Matheus pensou duas vezes antes de deitar-se, mas logo cedeu à oportunidade de mais uma vez estar ao lado daquela garota incomum.
            Estavam ali, um jovem casal apaixonado. Um olhando nos olhos do outro, e consequentemente abrindo um sorriso.

― Você, moço bonito, me beijaria agora?
            A pergunta estremeceu o corpo do rapaz. Levou toda a sua serenidade. É claro que a beijaria!
     E a beijou.

E a cada fuga da biblioteca, a grama da praça central era testemunha de beijos, leituras e abraços.
            E a cada novo capítulo desse romance, Silvia preocupava-se ainda mais.
            Certa manhã, a "mulher dos livros" chamou seu jovem amigo de longa data para uma importante conversa.
― Diga ― respondeu Matheus, já sabendo do que se trataria. ― Sou todo ouvidos.
― Meu caro, não quero que minha filha sofra. Disse Silvia com um certo carinho em sua voz.

            Aqueles dois se conheciam há tantos anos, porém só para um o tempo tinha passo.
― Eu sei. Eu também não quero proporcionar nenhum sofrimento a ela.
― Pois bem, deixe-a.
            E essas palavras foram como alfinetes penetrando o coração do rapaz. Como duas mãos estrangulando seus pulmões.
― Está certo Silvia ― sua voz continha uma triste melodia. ― A deixarei.
            Naquele dia, o passeio na praça seria diferente e Laura podia sentir, e mesmo aquela mala nas mãos de seu namorado não fazia sentido com seus encontros.
            Matheus ficou durante alguns segundos olhando ao longe, como se o horizonte pudesse lhe ajudar com o que estava por vir.
            Por fim decidiu sentar-se na grama.
― Não nos veremos mais. ― Disse.
            O coração de Laura pôs-se a bater descontroladamente.
― O que está dizendo? Minha mãe fez alguma coisa? Ela não quer eu seja livre.
― Não. Só preciso ir.
― Por quê?
            O rapaz olhou para aqueles olhos, que considerava os mais castanhos do mundo e disse:
― Porque eu amo você, moça bonita.
            Sem qualquer aviso, Laura inclinou-se e o beijou. Matheus a correspondeu. Ambos desejavam que tudo realmente, cada minuto, segundo e cada beijo fossem para sempre.
― Então não vá ― pediu Laura com sua testa encostada com a do seu namorado, que sem razão dizia aquelas palavras sobre partida. ― Não entendo porque você tem que partir.
            Foi difícil para aquele jovem apaixonado dizer não. Ou mesmo explicar o tal "porque"
― Adeus. Disse apenas, e neste instante aproximava-se da praça um táxi.
            Matheus levantou-se e dirigiu para a calçada com sua mala. Laura correu e o alcançou, lhe abraçando as costas.
― Laura, solte-me. As palavras do rapaz soaram como um sussurro.
― Não vá. E as palavras da "abraçante" soaram como um coração falando.
            Em fim o abraço cessou quando o "abraçado" virou-se e beijou seu amor.
            Algumas pessoas que passavam por ali entortavam o pescoço para ver aquele beijo tão sincero e triste.
            Quando os lábios dos amantes se afastaram, o táxi estava à poucos metros e Matheus fez sinal.
― Não pode fazer isso comigo. Protestou Laura, com algumas lágrimas abrindo caminhos em seu rosto.
― Será melhor, minha linda.
            As palavras de Matheus nem mesmo convenciam-no.
― Preciso partir.
            E assim entrou no carro sem olhar para trás.
            Laura apenas se desfez em pranto. Um pranto silencioso, mas gritante. Atrás de suas lágrimas, a visão do automóvel partindo era turva, assim como a visão do seu amor.
           
[...]

     O rapaz tomou um gole do chá e sorriu.
     Matheus não mentiria para si. Todas essas lembranças estavam vivas dentro do seu coração.
    E assim como ele mesmo não poderia ser afetado pelo tempo, seu amor pela moça da praça, Laura, era atemporal.

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Bom pessoal esses foram os contos. Espero que tenham gostado, não deixem de votar em seu conto favorito A enquete se encontra na barra ao lado direito, em cima da foto de perfil das blogueiras. Para você que está de celular, vá até o final da página e ponha em Visualizar Web, não deixe de dar seu voto. Compartilhem com os amigos e na próxima semana teremos outros desafiantes. 


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